Passa
das oito da noite na recém-reformada UEB Antonio Monteiro, em Santa Quitéria,
município de pouco mais de 23 mil habitantes localizado no semiárido
maranhense, a 350 km da capital e vizinho ao estado do Piauí. Os estudantes do
EJAI (Ensino de Jovens, Adultos e Idosos) terão que aguardar um pouco o início
da palestra sobre câncer de próstata a cargo do jovem enfermeiro que acaba de
chegar. As atenções estão voltadas para presença das duas auditoras do Tribunal
de Contas do Estado (TCE-MA).
Enquanto Natividade
Pinheiro de Farias conversa com a coordenação da escola em um exaustivo
check-list, a colega Mônica Valéria de Farias (não há parentesco entre elas)
percorre as salas, numa escuta que envolve professores e estudantes. Ninguém
parece surpreso com a presença da fiscalização, o que se explica por sua
permanência na cidade, que já entra no terceiro dia. É a penúltima escola a ser
visitada naquela noite, enquanto o período da tarde foi reservado a entrevistas
com idosos no distante povoado de Roça Velha. A equipe se retira, deixando os
alunos reunidos em círculo no pátio da escola, onde o calor é menos intenso .
Hora da roda de conversa.
Naquele mesmo dia, a mesma
rotina está se repetindo em mais nove municípios maranhenses, inclusive no
vizinho São Bernardo, distante apenas meia hora de carro de Santa Quitéria pela
MA-034. Além desses dois, a fiscalização presencial promovida pelo órgão
atingiu os municípios de Serrano do Maranhão, Bacuri, Igarapé do Meio,
Maranhãozinho, Satubinha, Santa Quitéria do Maranhão, Pio XII, Altamira do
Maranhão e Zé Doca). A presença das equipes nessas cidades decorre de
fiscalização realizada em outubro passado com a finalidade de avaliar a oferta
de Educação de Jovens e Adultos (EJA) pelos municípios maranhenses. Na ocasião,
foram solicitados dados referentes aos números do EJA às secretarias municipais
de Educação por meio do preenchimento de questionários eletrônicos.
Agora, com a presença das
equipes nos municípios escolhidos, o Tribunal promove a validação dos dados
fornecidos nos questionários eletrônicos, comparando as informações prestadas
com o que efetivamente está sendo ofertado ao público dessa modalidade de
ensino. Também foram consideradas nessa checagem as informações prestadas por
ocasião do censo educacional de 2022. Com duração de uma semana, a tarefa
envolveu um total de 40 servidores, entre técnicos e auditores, distribuídos
entre o trabalho de campo e a coleta e gerenciamento de informações na sede do
Tribunal.
A presença do próprio
Secretário de Fiscalização do TCE como integrante das equipes, algo incomum, se
justifica pela gravidade atribuída pelo órgão aos dados revelados pelo primeiro
levantamento, que não isenta nenhuma região de um estado com quase 220
municípios.
Os dez escolhidos nessa
fase foram aqueles que apresentaram as maiores distorções dentro de um cenário
de aplicação desse programa educacional. “Trata-se de dados discrepantes em
relação à realidade tanto estadual quanto nacional”, explica o secretário de
Fiscalização, Fábio Alex de Melo. Como exemplo, ele cita a relação entre a
população do município e o número de matriculados no EJA. Enquanto a média
nacional é de, no máximo, 5% da população adulta matriculada no EJA, alguns
desses municípios apresentam uma média de 25% da população inscrita nessa
modalidade de ensino, uma distorção que só encontra paralelo no estado de
Alagoas.
De acordo com o secretário,
essa fase de validação das informações pode se desdobrar em vários outros
procedimentos, incluindo representações, auditorias e tomadas de contas. “Nesse
momento, o Tribunal está apurando se as informações são fidedignas. É uma etapa
inicial por meio da qual será possível identificar o que é erro, distorção ou
informação falsa prestada de forma intencional”, lembra.
Uma possibilidade já
colocada pelo Tribunal e reforçada pelos achados da fiscalização presencial,
que deverão ser apresentados em coletiva de imprensa após a finalização do
relatório, é de que o procedimento seja estendido a outros municípios. É
unanimidade entre os envolvidos no trabalho de campo a visão de que o problema
tem dimensões muito maiores do que o estimado na fase de planejamento. “Embora
não nos caiba nesse momento fazer juízo de valor, afirmando ou não a existência
de fraude, está clara a necessidade de aprofundamento do trabalho realizado
pelo Tribunal dento de sua esfera de competência”, observa Natividade Farias.
Ela acredita que, em se
tratando de recursos do Fundeb, que envolvem a fiscalização por parte das três
esferas de governo, federal, estadual e municipal, é fundamental que o governo
federal também entre firme na fiscalização, examinando desdobramentos que
somente quem libera os recursos do EJA pode fiscalizar. Na esfera do TCE, ambas
as auditoras defendem que, para que o trabalho realizado pelas equipes possa
ser ainda melhor aproveitado, seus achados devam se refletir na apreciação das
contas. “Trata-se de um trabalho que avalia a qualidade das informações que
esses gestores estão disponibilizando e impacta na forma como esses recursos
foram utilizados. Então é de esperar que seja levado em conta na hora de
apreciar as contas dos gestores”, defendem.
Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Maranhão
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